Leia atentamente aos textos sugeridos no link e aqui em locus:
httphttp://www.claudialima.com.br/pdf/ANTIGOS_IMPERIOS_AFRICANOS.pdf:
Do liberalismo ao imperialismo
As últimas décadas dos anos 1800 acompanharam a explosão tecnológica no segundo tempo da Revolução
Industrial e gozaram o esplendor cultural da chamada Belle Époque. Era o mundo das siderúrgicas, das
ferrovias, do petróleo, dos motores a combustão, dos telégrafos e dos telefones. A partir de 1870, houve ainda uma mudança no modo capitalista de produção: a livre concorrência deu lugar aos grandes monopólios.
A grande indústria monopolista permitiu um grande desenvolvimento das forças produtivas. O problema eram os mercados. As nações ricas adotavam tarifas protetoras. Dentro das indústrias, a capacidade de produzir superava a capacidade de o mercado consumir. Onde encontrar novos mercados?
A resposta: nas colônias. E uma expansão neocolonialista voltou-se para a África, a Ásia, a Oceania e a América Latina. A diferença fundamental dessa nova partilha do planeta, se comparada com a expansão ultramarina dos séculos XV e XVI, é que os capitais excedentes eram investidos nas colônias e nos países de fora da Europa, que precisavam de ferrovias, eletricidade, telefones, telégrafos, gás. Era um negócio altamente lucrativo, nascido da aliança entre industriais e banqueiros. O mundo entrava na idade do capital financeiro. E do imperialismo.
Os analistas concordam em identificar quatro manifestações do imperialismo, ou capitalismo monopolista:
1) o monopólio, produto da concentração da produção num grau elevado, que deu origem aos primeiros grandes trustes, hoje chamados de multinacionais, e cartéis de empresas;
2) a luta pela conquista das fontes de matérias-primas, sobretudo carvão e minérios para a siderurgia;
3) a união dos capitais industrial e financeiro promovida pelos grandes bancos interessados nos monopólios;As últimas décadas dos anos 1800 acompanharam a explosão tecnológica no segundo tempo da Revolução
Industrial e gozaram o esplendor cultural da chamada Belle Époque. Era o mundo das siderúrgicas, das
ferrovias, do petróleo, dos motores a combustão, dos telégrafos e dos telefones. A partir de 1870, houve ainda uma mudança no modo capitalista de produção: a livre concorrência deu lugar aos grandes monopólios.
A grande indústria monopolista permitiu um grande desenvolvimento das forças produtivas. O problema eram os mercados. As nações ricas adotavam tarifas protetoras. Dentro das indústrias, a capacidade de produzir superava a capacidade de o mercado consumir. Onde encontrar novos mercados?
A resposta: nas colônias. E uma expansão neocolonialista voltou-se para a África, a Ásia, a Oceania e a América Latina. A diferença fundamental dessa nova partilha do planeta, se comparada com a expansão ultramarina dos séculos XV e XVI, é que os capitais excedentes eram investidos nas colônias e nos países de fora da Europa, que precisavam de ferrovias, eletricidade, telefones, telégrafos, gás. Era um negócio altamente lucrativo, nascido da aliança entre industriais e banqueiros. O mundo entrava na idade do capital financeiro. E do imperialismo.
Os analistas concordam em identificar quatro manifestações do imperialismo, ou capitalismo monopolista:
1) o monopólio, produto da concentração da produção num grau elevado, que deu origem aos primeiros grandes trustes, hoje chamados de multinacionais, e cartéis de empresas;
2) a luta pela conquista das fontes de matérias-primas, sobretudo carvão e minérios para a siderurgia;
4) os conglomerados gigantes do capital industrial--financeiro, que substituíram as grandes empresas mercantilistas e passaram a exportar capitais para suas respectivas esferas de influência.
Os países já não precisavam tornar-se colônias para serem “governados e explorados”. Eram esferas de influência, como é o caso do Brasil, em relação à Inglaterra no século XIX, e de nações de todos os continentes, em relação aos Estados Unidos daAmérica atualmente.
Os países já não precisavam tornar-se colônias para serem “governados e explorados”. Eram esferas de influência, como é o caso do Brasil, em relação à Inglaterra no século XIX, e de nações de todos os continentes, em relação aos Estados Unidos daAmérica atualmente.
Caderno de Sociologia Sistema Anglo de Ensino
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2ª ATIVIDADE - MUNDO DO TRABALHO
O papel do trabalho na construção da identidade do trabalhador *
É indubitável que o trabalho ocupa um lugar central na vida de quem o realiza. Seja pelo fato de ser um meio de sobrevivência, seja pelo tempo da vida a ele dedicado (várias horas por dia, vários dias por semana, várias semanas por mês, vários meses por ano, etc.), seja pelo fato de ser um meio de realização não apenas profissional, mas também pessoal, o trabalho é um dos principais instrumentos através do qual o homem dialoga com seu meio social e com seu tempo.
A concepção do trabalho, o sentido a ele atribuído sofreu, porém, várias modificações ao longo da história.
Para os romanos, a palavra trabalho significava dor, sofrimento. Deriva do latim, tripalium, que é um instrumento de tortura. Na Grécia, da mesma forma, o trabalho não era valorizado. Era associado à satisfação das necessidades básicas do homem (vestir-se, alimentar-se, produzir, comerciar) e por esse motivo era relegado aos escravos.[1]
Na Idade Média, o trabalho continuou sendo considerado uma atividade pouco nobre, uma vez que os realmente nobres não deveriam trabalhar.
O século XVIII, entretanto, assistiu a uma mudança essencial na concepção do trabalho. Eugène Enriquez apreendeu magistralmente o sentido desta mudança ao afirmar que
neste momento [...] justamente porque a indústria se desenvolve, começou-se a perceber que os homens não somente sofrem sua história, mas também podem produzir sua história. E para produzi-la, é preciso também produzir economia. O trabalho, que não era tido em alta consideração [...] de repente passou a ser valorizado, porque se transformou num símbolo de liberdade do homem, para transformar a natureza, transformar as coisas e a sociedade.[2]
Esta relação homem-trabalho, a dimensão transformadora do trabalho em relação à natureza e ao próprio homem, foi apreendida por Karl Marx, que afirmou ser
o trabalho, em primeiro lugar, um processo em que ambos, o homem e a natureza, participam, e no qual o homem, de sua livre vontade, inicia, regula e controla as relações materiais entre si próprio e a natureza [...] logo, ao atuar no mundo externo e ao modificá-lo ele muda, ao mesmo tempo, a sua própria natureza. Desenvolve as suas forças adormecidas e compele-as a agir em obediência ao seu poder.[3]
Ao afirmar que o trabalho cria o homem, e, por força da dialética, que o homem cria a si mesmo pelo trabalho, Marx provoca uma reavaliação do trabalho, que até então fora uma atividade desprezada, conferindo-lhe nova dignidade.[4]
Para Engels, na mesma linha de pensamento, o trabalho é mais do que o ato de transformar a matéria-prima em riqueza. Segundo ele, o trabalho “é o fundamento da vida humana”. Afirma, que “sob determinado aspecto, o trabalho criou o próprio homem”[5].
No mesmo sentido, ainda, a opinião de Luckács, para quem
somente o trabalho tem em sua essência ontológica um declarado caráter intermediário: é em sua essência uma inter-relação entre o homem (sociedade) e natureza, seja inorgânica [...] ou orgânica, inter-relação que [...] antes de tudo distingue a passagem, no homem que trabalha, do ser meramente biológico àquele tornado social.[6]
Sônia Viegas, considerando essa antinomia no significado da palavra trabalho, observa que ela possui dois sentidos: um negativo, que significa exaustão de forças, tormento, castigo, e outro positivo, que significa cultivar, lavrar, laborar, elaborar, que nos remete à idéia de crescimento e não à de degeneração.[7]
Dando um depoimento pessoal sobre o sentido positivo do trabalho, a autora relata:
Eu posso sair esgotada de uma aula, às vezes, até emocionalmente, mas o prazer que sinto é muito grande. O prazer, por exemplo, de estar aqui falando com vocês supera qualquer cansaço, qualquer esgotamento, no sentido de exaustão, de degenerescência. Quanto mais me coloco, mais eu recebo, porque mais retorno tenho, então, mais enriquecida saio. E o outro sentido, o negativo, é o empobrecimento, no sentido de uma força que vai se esvaindo e você não vê, ou não tem o retorno dela no seu ser.[8]
Vários outros autores analisaram o trabalho sobre esse prisma, como processo criativo específico do ser humano.
Para Hannah Arendt, “o trabalho cria o homem” e “sua humanidade é resultado de sua própria atividade”[9]. Da mesma forma, para Leandro Konder:
Através do trabalho, o ser do homem se distingue do ser dos animais e do ser das coisas: o sujeito humano passa a poder se assumir como sujeito em contraposição ao objeto. Através do trabalho, o homem não só se apropria da natureza como se afirma e se expande, se desenvolve, se transforma, se cria a si mesmo.[10]
Em razão de tal centralidade que o trabalho ocupa na vida das pessoas, é que podemos inferir as conseqüências negativas do não-trabalho, do desemprego, da exclusão do trabalhador do processo social de produção de serviços e riquezas.
Márcio Túlio Vianna, em seu emocionante Direito de Resistência, ao falar do direito do empregado de ocupar-se, de trabalhar, efetivamente, pondera: “[...] a inatividade pode não só humilhar o empregado, como impedí-lo de se realizar como homem e como cidadão, afetando sua dignidade”[11].
Naturalmente, o trabalho que edifica, que ajuda a construir uma auto-imagem e uma identidade positivas, não é o trabalho alienador, coisificador, taylorizado, para quem é mais importante a mercadoria produzida do que quem a produz. O trabalho que avilta a dignidade e que degrada a personalidade humana, esse não contribui para a realização e a construção da identidade do trabalhador. Ao contrário, o despersonifica, o brutaliza, causa sua alienação. É, ainda, Márcio Túlio Vianna quem adverte que “[...] o trabalho pode dar (e também tirar), dignidade”[12].
O trabalho que constrói é aquele em que o homem que produz a mercadoria tem mais valor do que a mercadoria produzida, e não aquele em que “[...] quanto mais o trabalhador produz tanto menos tem para consumir, que quanto mais valores cria tanto mais se torna sem valor e sem dignidade, que tanto melhor formado o seu produto tanto mais deformado o trabalhador [...]”[13].
A organização da produção baseada no modelo taylorista-fordista, a atividade repetitiva e monótona que este modelo impõe aos trabalhadores, o controle que exerce sobre o seu tempo e os seus movimentos, o ritmo da esteira na linha de montagem, todos esses fatores retiram do trabalhador a condição de sujeito de sua atividade.
Transforma o corpo humano em máquina programada para repetir movimentos mecânicos. Como bem observou Wanderley Codo,
é com as mãos e os braços que este trabalhador em particular se sustenta e sofre; é ela (a mão) o primeiro sensor à disposição a anunciar o tédio e/ou a exigência de um ritmo penoso. Será ela a primeira a encontrar uma linguagem para os dramas da organização do trabalho que não podem ser ditos, inomináveis, ou porque a consciência não os alcança, ou porque o contrato social não permite a expressão de queixa, e eis a mão se queixando pelo dono da mão. A LER toma assim os contornos de uma linguagem, como a úlcera, as alergias, dizendo o que a linguagem formal do autor não alcança.[14]
Ricardo Antunes, ao analisar as transformações ocorridas no mundo do trabalho a partir da década de 1980, afirma que essas modificações afetam os trabalhadores não apenas materialmente, mas sobretudo subjetivamente.[15]
No Japão, em período que antecedeu à atual reestruturação produtiva que tem por alvo a modernização da empresa, os trabalhadores mais experientes ocupavam um lugar especial, pautando sua vida pela lealdade à empresa e recebendo em troca bons salários e estabilidade no emprego. Esse sistema foi apontado no ocidente como responsável pela superioridade japonesa nos anos 60, 70 e 80 em relação aos americanos e europeus.[16]
Com o toyotismo, a situação se transformou e um de seus principais objetivos passou a ser reduzir o desperdício de tempo. Para tanto,
[...] se o trabalhador respirava, e enquanto respirava havia momentos em que não produzia, urgia produzir respirando e respirar produzindo, e nunca respirar não produzindo. Se pudesse o trabalhador produzir sem respirar, o capital permitiria, mas respirar sem produzir, não. E com isso (como concluí Ricardo Antunes), a Toyota conseguiu reduzir em 33% o seu ‘tempo ocioso’, o seu ‘desperdício’.[17]
Segundo o professor da UNICAMP, essas mudanças repercutem na forma de ser da classe-que-vive-do-trabalho.[18]
É sintomático que nas últimas décadas tenha aumentado expressivamente o número de moléstias profissionais, especialmente as lesões causadas por esforço repetitivo. “Para os cirurgiões de mão, os anos ‘90’ podem ser conhecidos como a década das moléstias relacionadas com a atividade profissional”[19].
A compreensão de que saúde e doença são fenômenos com forte componente social, e não simplesmente decorrência de particularidades individuais ou biológicas, ajuda-nos a entender as doenças profissionais como “um processo determinado socialmente e que depende da maneira como os indivíduos inserem-se no processo produtivo”[20].
As lesões por esforço repetitivo (LER), por exemplo, decorrem, em grande parte, da penosidade do trabalho. Como observou L. Sato,
a penosidade refere-se ao contexto de trabalho que demanda esforços, provocam sofrimento e incômodos demasiados, sobre o qual os trabalhadores não têm controle [...] Esta lesão se explica pelo grau de possibilidade do trabalhador poder adequar os contextos de trabalho às suas particularidades.[21]
A automação e o aumento da produtividade são fatores associados ao desenvolvimento das LER, por pressuporem
menos empregados, mais horas de trabalho, maior especialização de serviço, maior velocidade de trabalho, menos tempo de descanso, mais horas extras, mais turnos de trabalho e horários não padrão, e mais, trabalho de peças e sistemas de bônus.[22]
Assim como a saúde e a doença, o processo de construção da identidade do indivíduo é compreendido, como apontou A. C. Ciampa,
como um fenômeno histórico e social onde aquilo que o indivíduo reconhece como sendo ‘ele mesmo’ é colocado pelo contexto material e social onde ele está inserido e por ele internalizado. Essa identidade que adquire aparência de coisa acabada, dada, na verdade, necessita ser reposta (reafirmada) constantemente pelo ambiente social e vai transformando-se num contínuo processo de identificação do indivíduo.[23]
A doença profissional provoca, assim, uma desorganização, uma desagregação na identidade construída pelo indivíduo, que é fortemente influenciada pelo trabalho que exerce e pelas relações sociais que dele decorrem.
O trabalho, portanto, é uma referência fundamental para o indivíduo, influenciando decisivamente não apenas na construção de sua identidade individual, como também em sua forma de inserção no meio social. Quando há uma ruptura nesse processo, provocada por acidente de trabalho de conseqüências irreversíveis, moléstia ocupacional, desemprego ou qualquer outro infortúnio que implique afastamento do trabalhador de seu trabalho, há, em conseqüência, uma fragilização de sua identidade, tanto em nível individual quanto em nível social.
Alexandre Bonetti Lima e Fábio de Oliveira, psicólogos que coordenam grupos de qualidade de vida com portadores de LER, demonstram, através da fala de uma bancária, paciente que freqüenta um desses grupos, como a doença interfere em sua identidade e em seus referenciais:
Um dia desses eu tentei carregar uma caixa que tem lá em casa e não consegui levantar por causa da dor. Aí eu comecei a pensar se antes de ficar doente eu conseguia fazer, levantar a caixa. Se eu não estava conseguindo por causa da doença, ou se eu não conseguia mesmo antes de ter ficado doente. Aí me deu um desespero enorme: eu percebi que eu não conseguia mais lembrar como eu era antes.[24]
Por esse relato, é possível perceber que, após a doença, surge a necessidade de se reconstruir a própria identidade, vulnerada pela impossibilidade de realização das atividades que se realizava anteriormente e pelo fato de a pessoa não saber mais, exatamente, quais são seus limites e suas possibilidades.
A reconstrução da identidade implicará, desta forma, a busca de um novo sentido para a própria vida, seja através da readaptação à atividade laborativa, quando a lesão causar incapacidade apenas parcial para o trabalho, seja na busca de uma nova forma de trabalho possível, diante da incapacidade total para o exercício da atividade anteriormente realizada.
Uma boa dimensão desse processo de reconstrução da identidade pode ser percebida na seguinte análise, elaborada a partir de atividades em grupo com portadores de LER:
Nessa perspectiva, como refere Spink (1992), é necessário ressignificar o destino. Por sua vez, ressignificar o destino e o futuro requer que se repense o passado e o presente. Passear por estes temas reconstitui uma identidade pessoal cujo rumo de construção é modificado em função da doença. Ela não é um dado que se adiciona à história da vida das pessoas, mas é uma realidade que impõe o rearranjo de todos os dados que cada um tem sobre si mesmo e que, por isso, requer a checagem de conteúdos e relações que contém a identidade até então forjada no decorrer da história de vida.[25]
A saúde e o trabalho são direitos sociais garantidos constitucionalmente. A Constituição da República de 1988 dispõe, em seu art. 6º, que “são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta constituição”.
O direito do trabalhador à saúde inclui a prevenção de doenças, o tratamento de doenças já instaladas e a reabilitação do trabalhador que já teve sua saúde afetada. É o que se deduz da Lei Orgânica Nacional de Saúde, Lei 8.080 de 19 de setembro de 1990, que define a saúde do trabalhador como
um conjunto de atividades que se destina, através das ações de vigilância epidemiológica e vigilância sanitária, à proteção e saúde dos trabalhadores, assim como visa à recuperação e reabilitação da saúde dos trabalhadores, submetidos aos riscos e agravos advindos das condições de trabalho [...]
A prevenção e a proteção da saúde do trabalhador passam necessariamente, embora não contemplada pela referida lei, “pela reformulação política da visão das relações capital-trabalho, desde as influências da organização do trabalho, até às de engenharia de produção”[26].
Considerando ainda a vinculação entre a valorização social do trabalho e o papel do trabalho na construção da identidade do trabalhador, objeto central das ponderações aqui apresentadas, cabe observar que trabalho e tarefa não significam a mesma coisa.
E Wanderley Codo é quem nos aponta a diferença:
trabalho é o ato de dupla transformação entre o homem e a natureza, na medida em que cria de forma perene uma ‘hominização’ do seu próprio meio. Tarefa, é o serviço executado a soldo; não se pergunta sobre a importância, sobre o significado, ou melhor, seu único significado é exatamente este: deve ser feita. É claro que o conceito de tarefa é considerado por Taylor, como a pedra angular da administração científica do trabalho.[27]
Vê-se, assim, que a atividade humana que cria a identidade pessoal e social é o trabalho que tem um significado para quem o realiza, não o trabalho que se resume na execução de “tarefas” mecânicas e sem sentido.
Dois jornalistas europeus, Cécile Pasche e Peter Strecheisen, entrevistando o psiquiatra e psicanalista francês Cristophe Dejours, especialista em medicina do trabalho, propuseram-lhe a seguinte questão: “o ‘fim do trabalho’ seria mesmo uma boa notícia? O trabalho significa unicamente sofrimento e alienação? Para muitos, o trabalho é também uma atividade profissional que lhes permite ter confiança em si mesmos, construir uma identidade [...]”[28].
Cristophe Dejours ponderou que, de fato, “esta questão é muito importante, pois atrás de toda crise, de toda doença mental ligada ao trabalho, esconde-se uma crise de identidade. Para muitos de nós”, afirma ele, “o trabalho representa uma segunda chance de obter ou consolidar a identidade e adquirir um pouco mais de confiança pessoal”[29].
Reconhecer o papel do trabalho na construção da identidade do ser humano não implica afirmar, porém, que o trabalho se realiza sempre sem sofrimento. Sobre esse aspecto particular do trabalho, Dejours tem também uma opinião instigante, que aqui se transcreve na íntegra para ser fiel ao seu pensamento. Ele afirma que
trabalhar bem não é uma coisa simples, sempre comporta uma cota de sofrimento. Mas esse sofrimento pode se transformar em realização e satisfação pessoal quando se consegue resolver problemas e, a partir disso, se obtém reconhecimento. Os assalariados, quando sofrem, sempre esperam qualquer coisa em troca e o aspecto mais importante desse equivalente não é o salário, mas o reconhecimento do trabalho pelos outros; superiores e clientes certificam a utilidade econômico-social do trabalho, os colegas admiram a capacidade profissional existente por trás do trabalho (eu domino as artes do ofício) [...] Por meio do reconhecimento dos outros, o sofrimento adquire um sentido: não sofri em vão, meu sofrimento serviu para alguma coisa. Então esse sofrimento se transforma em realização pessoal e ajuda a reconstruir a identidade.[30]
Dessas ponderações se conclui que o trabalho não é apenas sofrimento e alienação. Poderá sê-lo, entretanto, nos casos onde ocorre a exploração do trabalhador com a precaricação das condições de trabalho, com prolongamentos exaustivos de jornadas, em condições inadequadas para preservação da saúde e da segurança do trabalhador, em ambiente de forte pressão para aumentar a produção sob ameaça de demissão. O trabalho significará também alienação, quando a mão-de-obra for considerada simples mercadoria, descartável e substituível a qualquer momento por outra menos onerosa. Nesse caso, não há reconhecimento do valor do trabalho, que passa a ser uma atividade sem sentido para quem a realiza.
O não-reconhecimento do valor econômico e social do trabalho impede a realização pessoal do trabalhador. Se sua atividade profissional não é considerada útil, ou se a ela é considerada útil, mas não necessariamente a pessoa que a realiza, o trabalhador perde a referência, e não consegue ver sentido no que faz.
Cabe levar em conta, por fim, que a necessidade de valorização social do trabalho é um desdobramento da própria personalidade humana, que busca um sentido naquilo que faz, para além do próprio “fazer” e do próprio “realizar” imediatos.
* Valéria Abritta Teixeira Drumond, professora de Direito do Trabalho do Centro Universitário Newton Paiva.
* Este artigo é parte integrante da dissertação de mestrado da autora, intitulada “O Princípio da Integração do Trabalhador na Empresa no Sistema Jurídico-Constitucional Brasileiro”, apresentada e aprovada pelo curso de mestrado em Direito do Trabalho da Faculdade Mineira de Direito da Puc-MG, em 10/09/2002.
[1] ENRIQUEZ, Eugène. Perda do trabalho, perda da identidade. In. NABUCO, Maria Regina; CARVALHO NETO, Antônio Moreira de (Orgs.). Relações de trabalho contemporâneas. Belo Horizonte: Instituto de Relações do Trabalho - IRT/PUC-Minas, 1999. p. 70.
[2] ENRIQUEZ, Eugène. Perda do trabalho, perda da identidade. In. NABUCO, Maria Regina; CARVALHO NETO, Antônio Moreira de (Orgs.). Relações de trabalho contemporâneas, p. 70.
[3] MARX, Karl. O Capital, v. I, p. 372.
[4] Celso Lafer, no prefácio à edição brasileira da obra de ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro, p. 13.
[5] ENGELS, Friedrich. O papel do trabalho na transformação do macaco em homem. 2. ed. São Paulo: Global Editora, 1984. p. 9.
[6] LUCKÁCS, G. Ontologia dell’essere sociale II. Roma: Ed. Riuniti, 1981. v. 1, p. 14, apud ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho, p. 83.
[7] Em Conferência pronunciada para os profissionais do Centro de Reabilitação Profissional do INSS. Belo Horizonte, em 12.07.1989. (mimeo).
[8] Em Conferência pronunciada para os profissionais do Centro de Reabilitação Profissional do INSS. Belo Horizonte, em 12.07.1989. (mimeo).
[9] ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro, p. 48.
[10] KONDER, Leandro. A derrota da dialética. A recepção das idéias de Marx no Brasil até o começo dos anos 30, p. 11.
[11] VIANNA, Márcio Túlio. Direito de resistência. São Paulo: LTr, 1996. p. 118.
[12] VIANNA, Márcio Túlio. A Lei 9.601/98 e a constituição. In: RENAULT, Luiz Eduardo Linhares et al. O novo contrato a prazo: crítica, teoria e prática da lei 9.601/98. São Paulo: LTr, 1998. p. 66.
[13] MARX, Karl. Manuscritos econômicos-filosóficos. Parte final do 1º manuscrito. In: FERNANDES, Florestan (Org.). Marx / Engels história. São Paulo: Ática, 1983. p. 152. apud ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho, p. 24.
[14] CODO, Wanderley. Providências na organização do trabalho para prevenção da LER. In: CODO, Wanderley; ALMEIDA, Maria Celeste C. G. de (Orgs.). LER: diagnóstico, tratamento e prevenção: uma abordagem interdisciplinar. Petrópolis: Vozes, 1995. p. 240-241.
[15] ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho, p. 15.
[16] ARBIX, Glauco. O suicidado da globalização. Revista Caros Amigos, São Paulo, ano III, n. 34, jan. 2000. p. 19. O título é alusivo a Nonaka Masaharu, um japonês, funcionário da maior fábrica de pneus do mundo (Bridgestone), que ao ser sumariamente dispensado depois de 40 anos de empresa, invadiu a sala do presidente e cometeu suicídio diante das câmeras de televisão.
[17] Ricardo Antunes, comentando livro Japan in the Passing Lane, reportagem sobre a Toyota feita por Satoshi Kamata. ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho. Ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho, p. 204.
[18] Classe-que-vive-do-trabalho é a denominação dada por Ricardo Antunes a todos os assalariados que vivem da venda de sua força de trabalho em troca de salário, englobando não apenas os trabalhadores do setor industrial, como também os trabalhadores autônomos, os desempregados, os trabalhadores do setor rural, etc. ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho. Ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho, p. 103.
[19] MATTAR JR., Rames; AZZI, Ronaldo J. Moléstias ocupacionais: um desafio para a cirurgia de mão. In: CODO, Wanderley; ALMEIDA, Maria Celeste C. G. de (Orgs.). LER: diagnóstico, tratamento e prevenção: uma abordagem interdisciplinar, p. 17.
[20] LIMA, Alexandre Bonetti; OLIVEIRA, Fábio. Abordagem psicossocial da LER: ideologia da culpabilização e grupos de qualidade de vida. In: CODO, Wanderley; ALMEIDA, Maria Celeste C. G. de (Orgs.). LER: diagnóstico, tratamento e prevenção: uma abordagem interdisciplinar, p. 138. Os autores se reportam à obra de LAVREL, A. C. La salud - enfermedad como processo social. Revista Latinoamericana de Salud, México, n. 2, p. 7-25, e SORIANO, R. R. Capitalismo y enfermedad. México: Fólios, cap. 3, p. 47-76.
[21] Apud LIMA, Alexandre Bonetti; OLIVEIRA, Fábio. Abordagem psicossocial da LER: ideologia da culpabilização e grupos de qualidade de vida. In: CODO, Wanderley; ALMEIDA, Maria Celeste C. G. de (Orgs.). LER: diagnóstico, tratamento e prevenção: uma abordagem interdisciplinar, p. 139-140.
[22] ALMEIDA, Maria Celeste C. G. de. Características emocionais determinantes da LER. In: CODO, Wanderley; ALMEIDA, Maria Celeste C. G. de (Orgs.). LER: diagnóstico, tratamento e prevenção: uma abordagem interdisciplinar, p. 52.
[23] CIAMPA, A. C. Psicologia social: o homem em movimento. São Paulo: Brasiliense, 1992, apud LIMA, Alexandre Bonetti; OLIVEIRA, Fábio. Abordagem psicossocial da LER: ideologia da culpabilização e grupos de qualidade de vida. In: CODO, Wanderley; ALMEIDA, Maria Celeste C. G. de (Orgs.). LER: diagnóstico, tratamento e prevenção: uma abordagem interdisciplinar, p. 152.
[24] LIMA, Alexandre Bonetti; OLIVEIRA, Fábio. Abordagem psicossocial da LER: ideologia da culpabilização e grupos de qualidade de vida. In: CODO, Wanderley; ALMEIDA, Maria Celeste C. G. de (Orgs.). LER: diagnóstico, tratamento e prevenção: uma abordagem interdisciplinar, p. 152.
[25] SATO, L. et al. Atividade em grupo com portadores de LER e achados sobre a dimensão psicossocial. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, n. 21, v. 79, p. 49-63, abr. 1993, apud LIMA, Alexandre Bonetti; OLIVEIRA, Fábio. Abordagem psicossocial da LER: ideologia da culpabilização e grupos de qualidade de vida. In: CODO, Wanderley; ALMEIDA, Maria Celeste C. G. de (Orgs.). LER: diagnóstico, tratamento e prevenção: uma abordagem interdisciplinar, p. 153.
[26] MONTEIRO, Antônio Lopes. Os aspectos legais das tenossinovites. In: CODO, Wanderley; ALMEIDA, Maria Celeste C. G. de (Orgs.). LER: diagnóstico, tratamento e prevenção: uma abordagem interdisciplinar, p. 257.
[27] CODO, Wanderley. Providencias na organização do trabalho para prevenção da LER. In: CODO, Wanderley; ALMEIDA, Maria Celeste C. G. de (Orgs.). LER: diagnóstico, tratamento e prevenção: uma abordagem interdisciplinar, p. 236.
[28] Esta entrevista foi publicada pelo jornal suíço Le Courrier e reproduzida no Brasil pela Revista Caros Amigos, São Paulo, n. 26, p. 16-17, maio 1999, com tradução de Leda Leal Ferreira e edição de Ana Maria Ciccacio.
[29] Esta entrevista foi publicada pelo jornal suíço Le Courrier e reproduzida no Brasil pela Revista Caros Amigos, São Paulo, n. 26, p. 16-17, maio 1999, com tradução de Leda Leal Ferreira e edição de Ana Maria Ciccacio.
[30] Esta entrevista foi publicada pelo jornal suíço Le Courrier e reproduzida no Brasil pela Revista Caros Amigos, São Paulo, n. 26, p. 16-17, maio 1999, com tradução de Leda Leal Ferreira e edição de Ana Maria Ciccacio. p. 16.
in http://docs.google.com/viewer?a=v&q=cache:f8REXvbprJwJ:direito.newtonpaiva.br/revistadireito/docs/prof/bkp/papel_trabalho_constr.doc+o+papel+do+trabalho+na+constru%C3%A7%C3%A3o+da+identidade+do+trabalhador&hl=pt-BR&gl=br&pid=bl&srcid=ADGEESj87TsXSk27VazFC5l8CJ09rZb9phBIYp-9yQPZMvynxue5WEEhwRplBWq6SWt64T72ApBMZpZYrKbJAa7wV6lImzC9s2iTdM2skm5SbTDlaumTZQOpYeCFtJ8P2P125kdWRIJG&sig=AHIEtbQgs1c745vB7h-7iipwgQzycdKCawHá ainda uma segunda sugestão de texto para aprofundamento: Identidade e trabalho na sociedade capitalista (Identity and Work in capitalist society) Catia Segabinazzi
"...na produção social da sua existência, os homens estabelecem relações determinadas, necessárias, independentes da sua vontade, relações de produção, que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. O conjunto destas relações de produção constitui a estrutura económica da sociedade, a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e a qual correspondem determinadas formas de consciência social. O modo de produção da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social, política e intelectual em geral. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser; é o seu ser social que, inversamente, determina a sua consciência. Em certo estádio de desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes ou, o que é a sua expressão jurídica, com as relações de propriedade no seio das quais se tinham movido até então. Estas relações transformam-se de formas de desenvolvimento das forças produtivas em seus entraves. Abre-se então uma época de revolução social. Com a transformação da base económica, toda a imensa superestrutura se transforma com maior ou menor rapidez. Ao considerarmos estas transformações, é sempre preciso distinguir entre a transformação material das condições económicas de produção, susceptível de ser constatada de modo cientificamente rigoroso, e as formas jurídicas, políticas, religiosas ou filosóficas, numa palavra, ideológicas em que os homens tomam consciência deste conflito e o dirigem até ao fim. Assim como não se julga um indivíduo pelo que ele pensa de si próprio, também não se pode julgar uma tal época de revolução pela consciência que ela tem de si própria, é preciso, pelo contrário, explicar esta consciência pelas contradições da vida material, pelo conflito entre as forças produtivas sociais e as relações de produção. Uma formação social nunca declina antes que se tenha desenvolvido todas as forças produtivas que ela é suficientemente ampla para conter e nunca surgem novas relações de produção superiores antes de as suas condições materiais de existência se terem gerado no próprio seio da velha sociedade. É por isso que a humanidade nunca se propõe senão tarefas que pode levar a cabo, já que, se virmos bem as coisas, chegaremos sempre à conclusão de que a própria tarefa só surge se as condições materiais da sua resolução já existem ou estão, pelo menos, em vias de se formarem. Em traços largos, os modos de produção asiático, clássico, feudal e burguês moderno podem ser qualificados como épocas progressivas da formação económica da sociedade. As relações de produção burguesas são a última forma antagónica do processo social da produção, antagónica, não no sentido de antagonismo individual, mas no de um antagonismo nascido das condições de existência social dos indivíduos; mas as forças produtivas que se desenvolvem no seio da sociedade burguesa criam, ao mesmo tempo, as condições materiais que resolverão este antagonismo. Com esta formação social, termina, portanto, a pré-história da sociedade humana...".(http://www.insrolux.org/textosmarxistas/economiapolitica.htm)
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